segunda-feira, 23 de setembro de 2013

UM ENSAIO A PARTIR DO AFORISMO 20 DA "`MÍNIMA MORÁLIA" - STRUWWELPETER DE THEODOR ADORNO



Fac-simile do livro STRUWWELPETER contendo a estória da personagem que será tomada como metáfora para o aforismo 20 de Theodor Adorno



UM ENSAIO A PARTIR DO AFORISMO 20 DA “MÍNIMA MORALIA” -STRUWWELPETER
Tadeu Giatti*
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Introdução
Compreender a dialética que norteia uma sociedade é uma tarefa ingente e que
pressupõe  uma  sensibilidade  e  inteligência  profundas.  Poucos  teóricos  conseguiram
uma  análise  com  tal  agucidade,  especialmente  no  que  diz  respeito  a  textos
aparentemente simples, sob a forma de aforismos que, por sua própria dinâmica interna,
pressupõem um grande poder de concisão aliado a uma análise social. Theodor Adorno,
em sua obra Minima moralia: reflexões a partir da vida danificada, consegue este feito.
A recusa em partir do todo, trabalhando com aforismos, tem sua justificativa: em uma
sociedade  na  qual  a  razão  objetiva  desapareceu  e  se  transformou  em  pura
irracionalidade, não cabe uma análise globalizante, em seu sentido estrito da realidade.
Partindo dessa ideia, este ensaio pretende discutir um aforismo, o que subjaz a ele, no
sentido  de  crítica  e  de  conexão  necessária  entre  o  pensamento  e  sua  expressão,  não
apenas a partir das considerações teóricas de Adorno sobre o tema, mas, principalmente,
tomando  como  eixo  o  próprio  método  aforístico  empregado  pelo  filósofo  na  obra  a
Minima Moralia.
A  forma  aforística  de  Adorno  e  sua  relação  polifônica  com  a  obra  de  Heinrich
Hoffmann
Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno nasceu em Frankfurt. Era filho de Oscar
Alexander Wiesengrund um próspero negociante alemão de vinhos, de origem judaica e
convertido posteriormente ao protestatismo e de Maria Barbara Calvelli-Adorno – uma
cantora lírica católica italiana. Theodor passou a abreviar seu último nome, utilizando o
nome de solteira de sua mãe como sobrenome (Theodor W. Adorno, ou simplesmente
Theodor Adorno).
*
Mestrando junto ao PPG em Educação Sociocomunitária do UNISAL, u.e. de Americana. Professor de
Língua Portuguesa na rede pública do Estado de São Paulo. E-mail: tadeu_giatti@yahoo.com.br
Revista de Ciências da Educação, ano XV, n. 28, jun 2013 – pp.162-165 Um ensaio a partir do aforismo 20 da “mínima moralia” –T. Giatti



STRUWWELPETER, personagem objeto do aforismo de Adorno


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O  livro,  ou  melhor,  a  coleção  de  aforismos  “Minima  Moralia”  foi  composto
dentro do final da II Guerra Mundial (entre os anos de 1944 e 1947), em três partes. É
um  livro  de  Filosofia  escrito  sob  a  forma  de  pequenas  sentenças  (aforismos),  que
retratam  um  mundo  de  coisas  em  poucas  linhas.  Ou  em  outras  palavras,  reflexões  de
vários temas com uma profundidade e grau de reflexão muito grande.
O  conteúdo  dos  aforismos  tem  um  fundo  muito  subjetivo,  pois  toma  por  base
que cada leitor deve avaliar e refletir sobre o que leu. Dito isto, podemos dizer que o
aforismo  20  nos  coloca diante  de  um  texto  enigmático. A  começar  pelo  título.
Necessitamos, antes  de  tudo,  de  analisá-lo.  O  título Der  Struwwelpeter ou numa
tradução  livre “Pedro  de  cabeça  chacoalhada” faz  referência  a um  livro  escrito  para
crianças, em alemão, por Heinrich Hoffmann, em 1845. Este trabalho se compõe de 10
histórias ilustradas e ritmadas, principalmente sobre crianças. Cada uma delas objetiva
mostrar  uma  clara  lição  de  moral  sobre  as  consequências  de  atos  desastrados, que  as
crianças criam desnecessariamente. O título da primeira história abarca  e dá nome ao
livro como um todo. “Struwwelpeter”, dentro da ótica de Heinrich Hoffmann, descreve
um menino que não cuida de si mesmo de maneira correta e que, consequentemente, é
impopular  entre  seus  pares  e  amigos.  Com  isto  em  mente,  como  ponto  de  partida,
procuremos analisar este aforismo número vinte (20) de Adorno.
O particular como expressão da totalidade
O autor inicia o aforismo citando Hume, filósofo inglês (1711-1776), célebre por
seu  empirismo  radical  e  seu  ceticismo  filosófico.  Adorno  extrai  deste  teórico  um
argumento pragmatista, que se liga à economia de mercado, ao lucro (capitalismo), pois
este  sistema  econômico  é  eminentemente  prático, vide  o refrão  que  o  representa
popularmente: “Tempo é Dinheiro”. Senão vejamos esta outra passagem do aforismo:
”Se o tempo é dinheiro, parece moral poupar tempo, sobretudo o próprio, e desculpa-se
tal poupança com a consideração pelos outros...”
O verbo  poupar  e  poupança  aparecem  nesta  passagem.  É  uma  ideia  fixa  e
constante  para  a  economia  de  mercado  (capitalismo).  Mas  poupar  e  poupança  para  o
bem  comum  ou  o  bem  próprio?  Solipsismo  burguês  ou  benemerência?  Vejamos  este
outro:  “Que  em  vez  de  levantar o  chapéu  se  saúdem  com  um  "olá"  de  habitual
indiferença, que em vez de cartas se enviem inter office comunications sem cabeçalho e
sem assinatura, são outros tantos sintomas de uma enfermidade do contacto...” Eis uma
Revista de Ciências da Educação, ano XV, n. 28, jun 2013 – pp.162-165 Um ensaio a partir do aforismo 20 da “mínima moralia” –T. Giatti
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crítica contundente ao petit bourgeois (pequeno burguês) que, imbuído até às entranhas
da economia do mercado, não se preocupa nem em levantar o chapéu ao saudar seus
semelhantes,  não  se  preocupa  em  enviar  cartas,  mas  sim  comunicados  mais  rápidos
(inter-office communications), que denotam uma enfermidade, aquela que quer ganhar
tempo, eliminando o que seja supérfluo, desnecessário, enfim, tudo o que acarreta perda
de  dinheiro  deve  ser  cortado,  eliminado  da  vida  do  burguês. Mesmo  que  sejam  os
contatos pessoais não vinculados às possibilidades de usufruí-los em termos de “lucro”.
Esta  outra  passagem  é  assaz  sintomática - “...  o  tabu  de  falar  só  de  assuntos
profissionais e a incapacidade de conversa recíproca são, na realidade, a mesma coisa.
Porque tudo é negócio, nada de mencionar o seu nome, como acontece com a corda na
casa do enforcado.” Para Adorno, o capitalismo (economia de livre mercado) conduz à
alienação  pessoal  e  social,  não  havendo  a  necessidade  de  se  conversar.  A  linguagem,
enquanto elemento de comunicação e com sua poética própria, é eliminada e destruída
pelo capitalismo. Isto porque, tudo sendo negócio, não há porque mencionar o nome do
outro,  visto  que  o  outro  sendo  um  objeto,  algo coisificado,  não  precisa  ser  alcançado
pela linguagem, não tem nome, mas sim é um cifrão, um ser alienado.
Entrementes,  deve-se  perguntar:  por  que,  então,  o  título  deste  aforismo  é Der
Struwwelpeter?




Como aqui foi  discutido,  a  figura  do menino  mau preconizada  por
Heinrich Hoffmann e que deu título ao seu trabalho, nada mais é do que o capitalista
alienado,  sedento  de  lucro  e  desprovido  de  sentimentos  mínimos  de  civilidade,  tais
como  tirar  o  chapéu  para  os  semelhantes,  conversar  com  os  passantes,  enviar  cartas,
manifestando  o  poder  da  linguagem  escrita.  Leiamos  esta  passagem  reveladora  do
aforismo:  ...”Por  detrás  da  pseudodemocrática  supressão  das  fórmulas  do  trato,  da
cortesia antiquada, da conversação inútil e nem sequer injustificadamente suspeita de
palavreado, por detrás da aparente claridade e da transparência das relações humanas
que não toleram qualquer indefinição, anuncia-se a nua crueza.” E o que seria essa nua
crueza? O lucro que nada vê, nada escreve “em vão”, nada conversa, somente coisifica
tudo e todos a seu redor. Em última instância, a nua crueza, que nos cerca neste mundo
pós-moderno do início do século XXI.
Perorando  esta  análise  do  aforismo,  o  próprio  Adorno declara:  ...”O  sentido
prático  entre  os  homens  que  desaloja  entre  eles  todo  o  ornamento  ideológico,
transformou-se  em  ideologia  para  tratar  os  homens  como  coisas.” Adorno  chega  ao
Revista de Ciências da Educação, ano XV, n. 28, jun 2013 – pp.162-165


Nascemos e somos induzidos a  consumir, e nos tornamos mercadorias, sem o saber.




 Um ensaio a partir do aforismo 20 da “mínima moralia” –T. Giatti
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ponto nevrálgico de seu trabalho – a coisificação do ser humano por outro ser humano,
por ver nele fonte de lucro, de dinheiro, fruto da ideologia capitalista. Ora, não era esta a
postura  que  nosso Struwwelpeter, nos  contos  de  Hoffmann, tinha,  ao  ter  atitudes
impensadas, que geravam desconforto para os seus companheiros? Não seria chegada a
hora  de  nossos capitalistas  struwwelpeters repensarem  esta  postura coisificante  e  a
transformarem-na nestes tempos pós-modernos?
Conclusão
A crítica à indústria cultural e ao sistema social, econômico e político vigente na
época de Adorno, como processos que atuam sobre a subjetividade do ser humano no
sentido de sua deformação, é feita através dos aforismos. O autor mostra, através dele,
como  a  própria  vida  está  fragmentada,  como  as  atividades  e  relações  humanas
incorporaram a dominação existente enquanto tendência objetiva da sociedade e, desse
modo,  também  a  subjetividade  se  transforma  em  algo  objetivo,  passível  de
manipulação,  usando  a  economia  de  mercado – capitalismo – para  tanto.  O  que  há  é
uma  cisão  por  que  passou  a  vida  humana  que  se  percebe  desde  então.  E  é  nessa
harmonia entre o estilo denso e um pensamento duro o suficiente para se elevar acima
da realidade, tornando o trabalho,  até difícil de ler, de captar seu ponto  nevrálgico, o
qual  exige  justamente  uma  apresentação  marcante  como  ele,  é  que  reside  a  beleza  e
dignidade das Minima moralia. Não só a crítica se mantém fiel como a denúncia da vida
que sucumbe frente à totalidade do sistema econômico, mas também as formas do texto
se coadunam com essa tentativa de trazer à consciência a falsidade que domina a vida.
Recebido em 02/03/2013
Aprovado em 28/05/2013
Referências
ADORNO,  Theodor  W. Minima  moralia:  reflexões  a  partir  da  vida  danificada.
Tradução de Luiz Eduardo Bica. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993.
HOFFMANN, Heinrich. Struwwelpeter: Merry Stories and Funny Pictures. Disponível
em: http://www.gutenberg.org/ebooks/12116 acesso em mar 2013

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