domingo, 3 de agosto de 2014

Femininos são retratos da época - Mestrado da UFRN fala sobre a categorização do gênero em Português





Em 2011, quando assumiu a presidência, Dilma Rousseff levantou uma discussão política e morfossintática: como iria ser chamada a primeira mulher a ocupar esse cargo na história do Brasil, "presidenta" ou "presidente"?

Aceitando ou não que a alteração dos usos linguísticos pode contribuir para um mundo mais igualitário, o fato é que Dilma não está sozinha em suas reflexões e incertezas tanto políticas quando morfológicas. Na Suécia, por exemplo, desde 2012, se intensifica o uso do pronome pessoal de gênero neutro hen - que pode ser usado em vez de "ele" (han em sueco) e "ela" (hon). Além de atenuar a distinção entre indivíduos de diferentes gêneros, o uso desse neutro revela maior sensibilidade com as pessoas que não se identificam em exclusivo com o gênero masculino ou feminino. Ou, em outras palavras, o politicamente correto, o pansexualismo transborda da politica para a linguística. E aí de quem for contra esta percepção e escolha.

O pesquisador José da Luz Costa escreveu a dissertação Princípios de Categorização do Gênero Gramatical: Para uma leitura crítica no ensino do português - um resumo desse trabalho foi publicado em Funcionalismo e Ensino da Gramática, organizado pelas professoras Angélica Furtado e Maria Alice Tavares (EDUFRN, 2007; uma primeira versão do artigo está disponível em <bit.ly/1i4bY5Y).


ICONICIDADE


Sob a perspectiva givoniana (do funcionalista norte-americano Talmy Givón), Costa analisou exemplos retirados de textos da imprensa escrita nacional, e, com base neles, postulou três mecanismos reguladores da flexão do gênero em português:

a) Analogia;
b) Iconicidade e marcação;
c) Prototopia.

O trabalho de José da Luz Costa, ao analisar pormenorizadamente o fenômeno, acaba por evidenciar o grau de simplificação com que as gramáticas tradicionais abordam o gênero gramatical e sua relação, quando é o caso, com o sexo do referente.

Pretendendo homogeneizar os usos por força de instrumentos reguladores coercitivos, corre-se o sério risco de defender uma língua monolítica, que não acompanha os avanços sociais. As línguas naturais refletem uma categorização que o homem faz da realidade por meio de uma base cognitiva (perceptual) e social (cultural). Como a marcação de gênero não foge à regra, esperamos, sinceramente, deparar-nos, cada vez mais, com "presidentas" espalhadas por aí, que não somente subvertam a categoria gramatical, mas também desempenhem com garra, capacidade, isenção e ardor patriótico, sem desmandos e corrupção, seu cargo a que foi eleita, sem importar-se com firúnculas que nada levam.